Quilombo Grotão revela urgências em infraestrutura, e regularização do território
Fundada por volta de 1865 e formada por famílias descendentes de pessoas escravizadas que fugiram do Maranhão, a Comunidade Quilombola Grotão, em Filadélfia, carrega mais de um século e meio de história, resistência e organização coletiva. Nessa terça e quarta-feira, 12 e 13, o Ministério Público do Tocantins (MPTO) realizou uma intensa visita técnica ao local com o objetivo de conhecer de perto a realidade atual, avaliar o acesso a políticas públicas e identificar demandas estruturais.
As informações vão compor um relatório estratégico para subsidiar a atuação da Promotoria de Justiça de Filadélfia. A visita foi uma demanda do promotor de Justiça Pedro Jainer.
A ação foi conduzida por uma equipe multidisciplinar do Centro de Apoio Operacional do Consumidor, da Cidadania, dos Direitos Humanos e da Mulher (Caoccid) e do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação (Caopije), contando com a participação do assistente social José Augusto e do geógrafo Bruno Carneiro, do Caoccid; e da especialista em Gestão Pública Ileana Gomes, do Caopije.
Escuta ativa
Para o levantamento das informações, a equipe realizou uma roda de conversa e entrevistas individuais, focando em uma escuta ativa que pudesse captar não apenas dados formais, mas também as narrativas e o impacto humano da ausência de serviços.
Para o assistente social José Augusto, a experiência no campo é fundamental para ir além dos documentos e mapas. Ele explica que o trabalho presencial é crucial, porque “você não consegue ter uma noção tão rica se você não sentir o cheiro, não sentir o gosto, se você não vir, não usar os seus sentidos ali”. Segundo ele, o contato direto revela a realidade para além dos papéis, mostrando que, muitas vezes, as pessoas possuem direitos sem sequer perceberem.
José Augusto destacou que estar no local permite à equipe sentir na pele as dificuldades. Ele citou que uma coisa é olhar um mapa e ver a distância entre dois pontos, bem diferente de “você pegar o carro e você passar naquelas estradas, sentir o solavanco do carro numa freada ou num buraco”.
Urgência da regularização fundiária
A regularização fundiária é um dos pontos mais críticos. A área de 2.400 hectares foi reconhecida como território quilombola, mas, na prática, cerca de 2.000 hectares ainda estão ocupados por outros fazendeiros. O território total precisa ser desapropriado e indenizado para que o estado devolva a posse à comunidade.
O MPTO também verificou o status da titulação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além das dificuldades que a comunidade enfrenta com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a necessidade de incorporar o Lote 183 às áreas de uso tradicional.
Atualmente, os quilombolas ocupam cerca de 400 hectares. O geógrafo Bruno Carneiro explica que o planejamento geoespacial realizado pelo MPTO revelou que a comunidade tem realocado as novas famílias em pontos estratégicos do território, como um “cordão de monitoramento” próximo a rios e divisas, com o objetivo de defender o território contra novas invasões.
Infraestrutura, educação e luta pela identidade
Os moradores pedem a instalação de uma ponte sobre o Rio Gameleira para facilitar o acesso ao distrito de Bielândia, estrutura que reduziria drasticamente o trajeto diário da população. Apesar de uma ponte metálica já estar no local há cerca de sete anos, ela nunca foi instalada. O equipamento permanece parado, enquanto a comunidade segue enfrentando dificuldades no dia a dia.
No que tange à educação, o foco do Caopije foi na situação da Escola Municipal Criança Alegre. A especialista Ileana Gomes detalhou que a escola atende nove alunos do 1º ao 5º ano em uma única sala de aula multisseriada. Embora a escola apresente uma estrutura física boa — tanto que é usada pela comunidade para velórios, missas e festas —, há necessidade de reparos pontuais, como a troca de portas, forro do teto e instalação de cortinas. O MPTO também busca garantir o atendimento adequado a alunos neurodivergentes.
A comunidade quilombola se queixa da ameaça da prefeitura de fechar a escola. Ilana Gomes explicou que o motivo central da resistência é que “aquela escola conta a história deles”, sendo um local de preservação da identidade. A comunidade teme que, ao irem à escola rural em Bielândia, as crianças percam essa conexão. Além disso, a comunidade reivindica a proposta de renomear a escola para “Mãe Lunarda”, em homenagem a uma personalidade histórica do território.
Água, energia e saúde
Outras demandas urgentes foram levantadas nas áreas de infraestrutura básica, saúde e assistência social:
– Água e saneamento: a comunidade manifestou preocupação com a qualidade da água do Rio João Ayres, devido ao risco de contaminação por agrotóxicos, e com a necessidade de manutenção do funcionamento do poço artesiano;
– Energia: foram identificadas famílias que ainda não possuem energia elétrica. O MPTO também incluiu no levantamento a necessidade de manutenção das estradas de acesso, além da ponte sobre o Rio Gameleira;
– Assistência social e saúde: as demandas incluem a necessidade de atualização do CadÚnico, a garantia de acesso ao Bolsa Família e a regularidade das visitas dos agentes comunitários de Saúde.
Tecnologia a serviço da cidadania
A equipe técnica do Caoccid realizou um levantamento prévio detalhado utilizando geotecnologias, incluindo o uso de imagens de satélite e do aplicativo KoboToolbox para a coleta de dados georreferenciados diretamente no campo, mesmo offline.
Bruno Carneiro afirmou que o objetivo do MPTO é, futuramente, capacitar os próprios jovens quilombolas para que eles possam manter o mapeamento e a coleta de dados de seu território de forma autônoma, dando prosseguimento à cartografia social da comunidade.
Um território marcado por resistência
Localizado entre 82 e 94 quilômetros da sede urbana de Filadélfia, a Comunidade Quilombola Grotão já enfrentou pressões fundiárias desde a década de 1970, que culminaram, em 2008, em um despejo determinado judicialmente. Sessenta dias depois, uma decisão permitiu o retorno de apenas 5% do território original. Desde 2022, outra decisão judicial devolveu 350 hectares à comunidade, que reocupou a área retomando suas roças tradicionais, especialmente as de mandioca.






