Hidrovia Araguaia-Tocantins: comunidades se mobilizam para barrar obra devido a riscos

Ribeirinhos, quilombolas e agricultores familiares do Baixo Tocantins estão em estado de alerta diante do avanço da Hidrovia Araguaia-Tocantins. A obra, licenciada pelo Ibama com apoio do governo do Pará, é vista pelas comunidades como uma ameaça direta aos modos de vida locais, à pesca artesanal, à agricultura de subsistência e à permanência no território.
“Esse progresso que eles dizem não é para nós. Ele traz destruição, morte e apagamento do nosso modo de viver”, denunciou Jonai Mendes Carvalho, morador da Vila do Carmo, em Cametá (PA).
A mobilização popular ganhou força entre os dias 17 e 21 de junho de 2025, quando o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) promoveu o Mutirão dos Atingidos nos municípios paraenses de Cametá, Baião e Mocajuba. O evento reuniu comunidades em encontros, rodas de conversa e atividades formativas com o objetivo de alertar sobre os impactos do projeto e fortalecer a resistência coletiva.
“Vivemos há mais de 40 anos aqui. Pescamos, plantamos e cuidamos desse rio. Como dizem que não existimos?”, questiona Jonas Oliveira Nascimento, da Comunidade Diamante. Para os ribeirinhos, a construção da hidrovia representa um novo ciclo de violência ambiental e social, semelhante ao que viveram durante a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. “Não vamos aceitar que passem por cima de nossas vidas de novo”, afirmou Jaqueline Damasceno, da coordenação nacional do MAB.
O projeto da Hidrovia prevê a adaptação de mais de mil quilômetros do rio Tocantins para transporte de grãos, gado e minérios até o porto de Barcarena. Entre as intervenções previstas estão dragagens, construção de terminais e, principalmente, a derrocagem de 43 km de rochas no trecho conhecido como Pedral do Lourenço, entre Itupiranga e Nova Ipixuna – obra que envolve o uso de explosivos no leito do rio.
Apesar dos alertas das comunidades, o projeto recebeu Licença de Instalação do Ibama em fevereiro deste ano. No entanto, o Ministério Público Federal (MPF) questionou a legalidade da autorização, denunciando a ausência de consultas prévias, livres e informadas aos povos afetados, como determina a Convenção 169 da OIT. O MPF também criticou o fatiamento do licenciamento ambiental, que teria fragmentado artificialmente os impactos das obras ao longo de mais de 560 km do rio.
A Justiça Federal deu razão, ao menos em parte, aos argumentos do MPF. Em decisão da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária, o juiz André Luís Cavalcanti Silva determinou a suspensão imediata das obras no trecho do Pedral do Lourenço, proibindo qualquer avanço físico nas intervenções do Trecho 2 até nova deliberação judicial. Segundo o MPF, é “tecnicamente insustentável” classificar o empreendimento como de baixo impacto.
Além dos impactos ambientais, o projeto ameaça a segurança alimentar, as práticas culturais e a própria sobrevivência das comunidades tradicionais. “A lógica fragmentada ignora que qualquer intervenção afeta o conjunto do ecossistema e das comunidades que dele dependem”, critica Damasceno.
O mutirão do MAB também integrou os preparativos da sociedade civil amazônica para a Cúpula dos Povos e para a COP30, em Belém. A proposta é levar a denúncia da hidrovia ao debate internacional sobre justiça climática, direitos humanos e os impactos de megaprojetos na Amazônia.
Diante da falta de diálogo efetivo por parte das autoridades, as comunidades reafirmam sua disposição de resistência. “Nosso rio é nossa casa, nossa escola, nosso sustento. A luta não é só contra uma obra. É pela vida”, conclui Damasceno.
Por Auro Giuliano | AF Notícias