Entenda decisão de Dino sobre aplicação de leis estrangeiras no Brasil

O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou na última segunda-feira (18) que leis ou decisões judiciais de outros países não terão eficácia no Brasil, exceto se passarem por uma validação da Justiça brasileira.
Sem citar diretamente a Lei Magnitsky, aplicada pelos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, Dino afirmou que o Brasil tem sido “alvo de diversas sanções e ameaças” e que a decisão se mostrou necessária diante de “imposição de força de algumas nações sobre outras”.
A decisão se deu no âmbito de uma ação movida pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) no Supremo, que questionava a possibilidade de municípios brasileiros entrarem com ações judiciais no exterior.
Em análise desde o ano passado, a ação está relacionada a um processo movido por municípios brasileiros no Reino Unido, buscando indenização contra a mineradora Samarco pela tragédia de Mariana.
Segundo Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense, a determinação do ministro “não atinge a validade das sentenças judiciais proferidas no Reino Unido, mas sim que suas decisões devem passar pelo juízo homologatório do Brasil e pelos canais de cooperação interjurisdicional havidos entre nosso país e tantos outros com os quais temos tratados internacionais firmados”.
A reportagem consultou especialistas em direito internacional, constitucional e empresarial para tirar dúvidas sobre como se aplica a decisão.
Legislação
Especialista em Direito Internacional, Priscila Caneparo explica que as empresas devem seguir a lei do local em que elas estão estabelecidas.
“Então não existe essa possibilidade de se aplicar lei estrangeira aqui, sem que se haja um processo de homologação dessa decisão ou dessa lei regulamentada para ver se não ofende a ordem pública, a soberania e bons costumes aqui no Brasil”, afirma Caneparo.
Segundo a especialista, isso significa que se uma empresa não cumprir a decisão do país em que está “ela pode sofrer todas as determinações legais que esse país de fato possui”.
Rubens Glezer, professor de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) em São Paulo, pondera que esse é uma das dificuldades de se entrar no mercado internacional.
“Não é fácil entrar no mercado estrangeiro, uma parte disso tem a ver com as normas de cada país, que você tem que estar de acordo com as diferentes normas trabalhistas e contratuais. Então, em cada país que se atua, tem que estar atento àquelas normas”, afirmou.
No caso da Lei Magnistky, Caneparo esclarece que para haver eficácia em uma ordem executiva dos EUA, é preciso passar por um processo homologação do STJ (Supremo Tribunal de Justiça). “A partir do momento que essa decisão não é homologada pelo STJ, temos como se ela não existisse para o Brasil”.
Glezer complementa que “instituições brasileiras que estão sujeitas às ordens nacionais e à ordem norte-americana, deverão fazer uma avaliação de custo-benefício e verificar como vão se comportar, para pensar as repercussões possíveis em termos comerciais e em termos jurídicos”.
Negócios com o Brasil
Questionada sobre a possiblidade de empresas ou bancos estrangeiros deixarem suas operações no Brasil, Caneparo diz que “é uma opção da empresa justamente para não ser sancionada”.
“Essas empresas estrangeiras, se porventura, elas se sentirem coagidas a cumprir ou a lei brasileira ou a aplicação da Lei Magnistky, elas podem deixar a operação no Brasil para evitar maiores confrontos, ou a possibilidade de aplicação de multa pelo Governo dos Estados Unidos e do Brasil também.”
Já na ocasião de empresas brasileiras não terem a permissão de operar internacionalmente, Caneparo diz que no caso específico dos EUA, as companhias podem ser proibidas junto com a aplicação de uma multa pelo país norte-americano.
Ainda conforme a análise da especialista, essa decisão pode interferir em parcerias internacionais.
O especialista em Direito Internacional Empresarial, Marcelo Godke, acrescenta que “é crucial considerar as relações comerciais e econômicas entre o Brasil e a Europa”.
“Não se trata apenas de empresas americanas, mas de empresas de qualquer lugar do mundo que tenham relações comerciais e econômicas com os Estados Unidos e, consequentemente, entrem em contato com a Lei Magnitsky. Em tese, isso pode gerar um enorme desinteresse em negociar com o Brasil”, explica Godke.
Sistema Swift
Sobre a possibilidade de o Brasil ser excluído da rede global de mensagens bancárias, o sistema Swift, Caneparo explica que para se ter uma suspensão do sistema, é preciso uma “estruturação de cooperação internacional e de entendimento de outros estados”.
A Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication foi fundada em 1973 para substituir o telex e agora é usada por mais de 11.000 instituições financeiras para enviar mensagens seguras e ordens de pagamento.
Essa rede de mensagens de alta segurança é responsável por conectar milhares de instituições financeiras de todo o mundo.
Dino ainda notificou na decisão, para que empresas evitem realizar “transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro”. As entidades são:
Sistema Financeiro Nacional – Banco Central (BC);
Federação Brasileira de Bancos (Febraban);
Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF);
Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).
Em nota à CNN, a CNseg afirmou que tomou conhecimento da determinação do ministro e analisa seu conteúdo.
“A CNseg reforça que, por se tratar de um tema novo e ainda em exame, não é possível apresentar um posicionamento definitivo neste momento. A entidade seguirá acompanhando os desdobramentos e se manifestará oportunamente, após a devida avaliação técnica.”
A reportagem também entrou em contato com o BC, a Febraban e a CNF e aguarda retorno.
*Com informações de Gabriela Boechat (CNN-Brasil)